Discalculia e Baixo Rendimento a Matemática

voltar atrás

Discalculia e Baixo Rendimento a Matemática

A discalculia é uma dificuldade de aprendizagem, também conhecida como Perturbação Específica do Cálculo. Acontece como resultado de uma desordem nos sistemas de processamento do raciocínio lógico-matemático, que torna mais dificil processar e compreender o significado dos números, assim como o cálculo e a resolução de problemas matemáticos.

O impacto psicossocial do baixo rendimento a Matemática

 

Perante as mudanças paradigmáticas vividas na sociedade atual, uma das visões do século XXI patentes no OECD Learning Compass 2030 é procurar dar resposta à questão de saber “como” implementar currículos e ambientes de aprendizagem que se tornem efetivos em educação matemática (Schmidt, Houang, Sullivan & Cogan (2022). Para além disso, esta nova era tecnológica assente na incerteza e mutabilidade, há competências cada vez mais exigidas, tais como a criatividade, o raciocínio lógico e a necessidade de processar informação quantitativa.

 

Neste sentido, as fracas competências matemáticas têm um impacto negativo a nível económico, educacional e psicológico na sociedade atual. Um estudo longitudinal em larga escala na Inglaterra revelou que a fraca competência matemática está associada a grandes riscos psicossociais e económicos: 70-90% das pessoas afetadas terminaram a sua escolaridade prematuramente aos 16 anos; aos 30 anos, muito poucos eram empregados a tempo inteiro e mais suscetíveis a trabalhos precários; a probabilidade de estar desempregado e de desenvolver sintomas depressivos era duas vezes maior do que a das pessoas com altas competências (Parsons & Bynner, 2005). Há uma forte correlação entre competências matemáticas na infância e estatuto socioeconómico adulto (Ritchie & Bates, 2013).

 

Em Portugal, o baixo rendimento a Matemática também revela um cenário preocupante, tendo a pandemia agravado a situação. Segundo o estudo de Aferição Amostral do Ensino Básico, em 2021 observa-se uma descida generalizada dos desempenhos dos alunos, em todos os domínios, em relação aos resultados das provas de aferição de 2019 - 18, 8% na prova nacional do 2º ano e 12,6% no 8º ano de escolaridade).

 

Nas provas nacionais 2021 referente ao domínio “Números e Operações”, alunos do 2º ano demonstraram uma taxa de insucesso de 37% com respostas de tipo “não sabem ou não respondem”. O cenário agrava-se no 8º ano, com uma taxa de insucesso de 62,6% (Serrão, Simões, & Pires, 2021).

 

O baixo rendimento a Matemática constitui não só um fardo para o indivíduo, como para a sociedade em geral, sendo a numeracia considerada pela OECD Learning Compass 2030 (OECD, 2019) uma das competências fundamentais. A par com a leitura e literacia digital, a numeracia é uma competência a promover para fazer face aos desafios da sociedade atual e dos próximos dez anos - e isso inclui a adaptação dos currículos e implementação de ambientes de aprendizagens mais efetivos e a intervenção atempada aos mínimos sinais de dificuldades na matemática. Para conseguir levar a cabo este desafio, a formação de professores e outros profissionais de educação torna-se crucial. A formação deverá incidir no conhecimento de currículos mais efetivos na aprendizagem da matemática, na combinação entre a experiência diária com a matemática (comunicação oral) e a experiência escolar (comunicação escrita) e no conhecimento de como aprendemos a matemática para identificar e intervir atempadamente.

 

 

Discalculia – o que é?

 

A perturbação da aprendizagem específica com défice na Matemática ou Discalculia é definida como um défice nas competências aritméticas básicas (adição, subtração, multiplicação, divisão) que, ao contrário do Baixo Rendimento a Matemática, não pode ser explicada apenas por um défice geral de inteligência nem por um ambiente de aprendizagem inadequado (ICD-10, DSM-V).

 

Três a sete por cento de todas as crianças, adolescentes e adultos sofrem de discalculia (Badian, 1999; Gross-Tsur, Manor, & Shalev, 1996; Haberstroh & Schulte-Körne, 2019; Lewis, Hitch, & Walker, 1994). É uma dificuldade específica, severa e persistente na realização de cálculos aritméticos podendo originar dificuldades acentuadas na escola, no trabalho e no dia-a-dia, sendo elevado o risco de comorbilidade com perturbações mentais, como a ansiedade e a depressão.

 

Os discalcúlicos revelam dois tipos de dificuldade específicas (Haberstroh & Schulte-Körne, 2019):

 

1 - Dificuldades no processamento de números e quantidades, que pode ocorrer desde o pré-escolar:

 

– Associação quantidade-número, isto é, a ligação entre um número (por exemplo, 6) e a quantidade que o representa (por exemplo, 6 maçãs) é feita com dificuldade;

 

– A transposição da quantidade para o número (por exemplo, cinco maçãs e uma maçã = 5 + 1) e a transposição do sistema visual para o sistema de linguagem (representação arábica “6” para a escrita “seis”, ou vice-versa) são inadequadamente compreendidas;

 

– Dificuldades na contagem oral, na comparação de números ou quantidades (qual o maior, qual o menor, qual o mais próximo), na perceção rápida e nomeação de pequenas quantidades de pontos (subitização), na determinação da posição de um número na reta numérica (linha numérica mental), na compreensão do sistema de valor posicional (e.g. unidades e dezenas).

 

2 - Dificuldades com operações aritméticas básicas e com outras tarefas matemáticas mais complexas, ao longo do percurso escolar:

 

– As regras de algoritmos aditivos e subtrativos não são compreendidas porque a compreensão subjacente de números e quantidades não foi suficientemente desenvolvida (e.g. 17 + 14 = 1 + 1 e 7 + 4 = 13, ou seja, o aluno dá a resposta errada 17 + 14 = 213);

 

– Défices na recuperação de factos matemáticos (por exemplo, a tabela de multiplicação) com os quais as respostas a simples problemas de cálculo podem ser recolhidas diretamente a partir da memória semântica, reduzindo o tempo de reação e o os recursos cognitivos, ao invés de precisarem de ser calculados e recalculados vezes sem conta.

 

– Falta de transição de procedimentos de contagem (e.g. contagem-min: 8 + 4 = 9, 10, 11, 12 = 12) para procedimentos de não contagem com ou sem recurso ao valor posicional (e.g. recurso à dezena com compensação: 8 + 4 = 8 + 2 e 2 = 12).

 

Estas dificuldades aritméticas agravam-se com o aumento da complexidade matemática (números cada vez maiores, múltiplas operações de cálculo, resolução de situações problemáticas, recurso a fórmulas matemáticas).

 

 

Método Singapura: uma alternativa ao currículo nacional de matemática nos primeiros anos de escolaridade

 

Conhecido como Método Singapura, é um método de ensino da matemática inicial que incide nos seis primeiros anos de escolaridade, tendo também uma filosofia própria relativa a abordagens didáticas no pré-escolar. Baseia-se em quatro componentes fundamentais: bons livros, didática estruturada de índole construtivista, currículo especialmente pensado tendo em conta essa didática e cuidada formação de professores. É à interligação destas componentes que se chama «método». No método de Singapura destacam-se três teorias edificadoras: 1) a abordagem Concreto-Pictórico-Abstrato (CPA), que remonta aos trabalhos do psicólogo americano Jerome Bruner (1998), que consiste num cuidado faseamento na passagem de casos concretos ao pensamento abstrato; 2) os estudos sobre o princípio de variabilidade desenvolvidos pelo educador matemático húngaro Zoltán Dienes (1971),que apontam para a necessidade da utilização de diversos exemplos e contextos na aprendizagem de um conceito, assim como múltiplas representações; 3) as ideias defendidas pelo psicólogo inglês Richard Skemp (1989), que sublinham a importância de se estabelecer conexões e de se compreender as relações matemáticas e a sua estrutura, de forma a alcançar um conhecimento profundo e duradouro das matérias. Tudo isto acontece de forma integrada. É dada grande importância à estrutura (ordem), à oralidade e às concretizações e/ou esquematizações.

 

Essa abordagem tornou-se popular devido às classificações no TIMSS (Trends in International Mathematics and Science Study).  Singapura está entre os países com melhor classificação nessa avaliação internacional desde 1995 (primeiro ou segundo lugar). Destaca-se o facto de que o Método Singapura dar muita importância ao significado, ao concreto, ao exemplo. Isso faz com que seja um método especialmente adequado para alunos com baixo rendimento a Matemática.

 

 

Pretende aprofundar os seus conhecimentos sobre esta plataforma? Descubra a Especialização Avançada em Discalculia e Baixo Rendimento a Matemática

 

Gostou deste Artigo? Veja mais no nosso blog que conta com mais de 50 artigos sobre diversas temáticas.

 

Siga-nos e descubra todas as nossas Novidades:

Instagram | Facebook | Linkedin | TikTok | Twitter

 

Artigo da autoria de:
Lília Marcelino

Doutorada em Educação e Licenciada em Psicologia pela Universidade Lusófona. Investigadora integrada no CICANT/Universidade Lusófona em Aprendizagem da Matemática e Aprendizagem baseada em Jogos. Professora na ESEL/IPLUSO e FCSEA/Universidade Lusófona. Membro efetivo da OPP - Ordem dos Psicólogos Portugueses e membro APA - American Psychology Association.

Aviso! Ao navegar no nosso site estará a consentir a utilização de cookies para uma melhor experiência de utilização.

Conheça as nossas Políticas de Privacidade e Cookies aqui.